sexta-feira, 8 de abril de 2011

Evidências

É tão evidente a alteração do comportamento do Gui nos dias em que a nossa disponibilidade é menor. Hoje ficarei na escola até perto das 20h. Ontem foi pouco diferente. Terei uma hora, mais ou menos, para estar com ele. Irá ser compensado nas férias da Páscoa, porque as tenho, graças a Deus. Mas sejam 8 dias, 3 dias, seja apenas um, não deixo de me sentir culpada e de inevitavelmente pensar que o que queria mesmo para mim e para ele era ter um trabalho liberal, realizá-lo em casa e ter sempre o meu filho comigo.

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Sou beirã. Nasci no campo. Lembro-me de estar todo o dia com a minha mãe, enquanto ela trabalhava (muito) em casa. O trabalho vinha ter com ela. Limitava-se a realizá-lo, nos interva-los, nas minhas sestas, à noite. Ajudava-a nas tarefas domésticas. A mim juntavam-se outros da minha idade. As brincadeira ficavam-se pelas tradicionais. Saltar à corda, o jogo do galo, as apanhadas, correr no meio do milho, bem mais alto do que nós. Inventávamos labirintos. Lembro-me de apanhar borboletas, a sério, lembro... e do cheiro dos malmequeres e do som das primeiras gotas da chuva a bater no vidro do quarto. Lembro-me de acordar e "sentir" a primavera. Lembro-me de tantas coisas dessas. E não sou mimada. Porque muitas vezes me assalta um pensamento parvo, numa espécie de auto-mentalização, e ridículo de que, se o Gui estivesse todo o dia, todos os dias comigo... seria mimado. Mentira, pura mentira. Então, porque é que não sou rica? Porque tenho de levar o meu filho, todos os dias, à escola? E é fantástica, mas, mesmo assim, porquê? Bolas. M****

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Detesto o final dos períodos lectivos. É nestas alturas em que o drama se instala com a ausência de tempo, com a falta de dinheiro, com a necessidade extrema de estar junto da família e não poder, de querer mais e sentir impotência, de saber que ou ganho o euromilhões ou nunca sairei da sepa torta. De querer evoluir profissionalmente e não poder (por vários motivos). De ver a minha profissão ser tão pouco valorizada. De querer tanto... e de estar forçosamente acomodada com o que tenho... e tenho muito, mas queria melhor. É pecado? Queria a minha família, um cão e um jardim, pequenino, para plantar flores e correr com o meu menino... queria ter uma varanda e poder esticar as pernas sem os olhares invasores dos vizinhos dos prédios da frente... queria comer laranjas colhidas na hora e fazer churrascos debaixo de um telheiro aos fins de semana e nas noites de calor. Ler um livro lá fora.

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É pecado?

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